domingo, 30 de janeiro de 2011

Recordações

Eu tinha 18 anos quando meu pai faleceu. Éramos seis, ficamos em cinco. Três irmãos e uma irmã, e minha mãe. Eu o mais velho deles. Me senti muito sozinho nessa época. Os terrenos vizinhos ao nosso eram vazios, ninguém morava neles. Nos sentíamos um pouco indefesos. Procuramos garantir um pouco a nossa segurança, arrumando cachorros.
Um dia, quando chegamos em casa a noite, voltando da missa do sétimo dia, encontramos nossa casa revirada. Fora invadida. Como não havia muro, o cachorro estava preso, ficou fácil para os ladrões agirem. Entraram pela janela, arrombando a grade que nada protegia. Porém, nada levaram. Pelo jeito não encontraram o que queriam. Desse dia em diante, e por muitos anos, a nossa casa nunca mais ficou sozinha. Sempre ficava pelo menos um tomando conta. Construímos um muro. Deixamos o cachorro solto.
Nesse mesmo ano, na virada, minha tia fez uma festa na casa dela que durou a noite toda. Todos foram, menos eu. A casa não podia ficar sozinha. E além disso, eu queria aproveitar e passar umas horas sozinho comigo mesmo. Sempre gostei disso. Fiquei acordado quase a noite toda assistindo televisão. Lembro-me que passou o filme "Sete homens para sete mulheres", do qual gostei muito. Perdi a conta das vezes que o assisti depois.
Como minha mãe se sentia um pouco sozinha, muitas vezes fui com ela a serestas às sextas-feiras. Um dia, não sei porque cargas d'água, fui sozinho. E antes que o baile terminasse resolvi ir embora. Deveria ser mais ou menos uma hora e meia da madrugada. Embora fosse longe, resolvi voltar a pé mesmo fazendo o percurso de 01h40min. Gostava de andar. As ruas estavam praticamente desertas. Pouquíssimas pessoas em algum bar pela cidade. Do clube até a rua próxima de casa tudo correu tranquilo.
Mas quase chegando em casa, é que me assustei um pouco. Escutei vários disparos. Pensei: tô ferrado. O tiro parecia vir pelo lado da minha casa. Tenho de ir assim mesmo, não tenho pra onde correr. Fui em frente. Quando passava pela terceira casa antes da minha, vi dois sujeitos em pé em frente ao portão, cada um com uma espingarda na mão. Passei rápido, nada falaram. Cheguei em casa e a primeira coisa que fiz foi acender as luzes do lado de fora. Em casa todos dormiam, nada escutaram.
No dia seguinte, o senhor de mais idade, que eu vira com uma espingarda, parado em frente a casa dele, me contou que acordou com barulho de ladrões roubando galinhas no fundo do quintal, e mandou bala. Não acertou ninguém. Quando me viu, achou que eu poderia ser um deles, mas o seu filho lhe garantiu que me conhecia e que era morador dali mesmo.

Nenhum comentário: